quinta-feira, 21 de maio de 2015

O Pleito pela Missa Latina por Dietrich von Hildebrand

O Pleito pela Missa Latina por Dietrich von Hildebrand




Dietrich von Hildebrand foi um dos filósofos cristãos mais eminentes do mundo. Professor na Fordham University, o Papa Pio XII chamou-o "o Doutor da Igreja no século 20". Ele é autor de vários livros, incluindo Transformation in Christ e Liturgy and Personality.

TRIUMPH, Outubro 1966

Os argumentos da Nova Liturgia foram elegantemente condicionados, e talvez agora sejam estudados por recomendação. A nova forma da missa foi planejada para empenhar o celebrante e o fiel numa atividade comunal. No passado, o fiel servia a missa em isolamento pessoal, com cada crente fazendo suas preces privadas, ou, na melhor, seguindo as fórmulas no missal. Hoje, o fiel pode aproveitar o caráter social da celebração; estão aprendendo apreciá-la tal quais os almoços comunitários.


Antigamente, o sacerdote murmurava em língua morta, o que criava barreiras entre este e o povo. Agora, todos falam em inglês, o que tende a unir estreitamente povo e sacerdote. No passado, o sacerdote realizava a missa de costa para o povo, dando um clima de ritual esotérico. Hoje, a missa é ocasião mais fraternal, pois o sacerdote encara o povo. No passado, o sacerdote entoava estranhos cânticos medievais. Hoje, toda a assembléia executa canções de melodias simples e letras fáceis; estão até flertando com a música popular. Concluindo, o pleito pela missa nova resume-se a isto: fazer o fiel estar mais a vontade na casa de Deus.


Além do mais, dizem ter tais inovações a sanção da Autoridade; elas são apresentadas como resposta obediente ao espírito do Concilio Vaticano II. Todavia, o concílio diz, na sua constituição sobre liturgia, que a missa vernacular só é permitida em casos em que o bispo local ache-a oportuna; a constituição insiste fortemente na permanência da missa latina e aprova, de forma inconteste, o canto gregoriano.


Porém, os "progressistas" litúrgicos não se abalaram com a diferença entre permitir e ordenar. Sequer hesitaram quando autorizaram modificações, tais como o estar de pé ao receber a Santa Comunhão, o que não é mencionado pela constituição. Os progressistas argúem que podem tomar tais liberdades, pois a constituição é, afinal de contas, apenas o primeiro passo num processo evolucionário. Eles parecem estar neste caminho. Hoje, em qualquer lugar, é mui difícil encontrar a missa latina; nos Estados Unidos, são praticamente inexistentes. Até a missa conventual dos monastérios é falada em vernáculo, e o glorioso gregoriano foi substituído por melodias insignificantes.

Minha preocupação não é com o estatuto legal das mudanças. Insisto: não quero dar a entender que reclamo de a constituição ter permitido o vernáculo substituir o latim. O que deploro é que a missa nova está substituindo a latina, que a antiga liturgia está sendo imprudentemente estraçalhada e negada pela maioria do povo de Deus.


Gostaria de levantar algumas questões àqueles que estão a promover tais desdobramentos: a missa nova, , melhorará o espírito humano mais que a antiga – evoca o sentido de eternidade? Ajudará a elevar nossos corações acima das preocupações mundanas – acima dos aspectos puramente naturais do mundo – até a Cristo? Aumentará a reverência, a apreciação do sagrado?

Certo, tais questões são retóricas e auto-evidentes. Fi-las, pois penso que cristãos sérios vão querer considerar sua importância antes de chegarem a uma conclusão sobre os méritos da nova liturgia. Qual o papel da reverência numa vida verdadeiramente cristã, e, mais importante, numa verdadeira adoração cristã de Deus?A reverência dá ao ser ocasião de falar conosco: a grandeza última do homem é ser capax Dei. A reverência é de importância capital para todos os domínios da vida do homem. Ela pode ser chamada corretamente de "mãe de todas as virtudes", pois esta atitude básica pressupõe todas as virtudes.


O gesto mais elementar de reverência é um reflexo do próprio ser. Ela distingue-se da majestade exterior do ser, que provém da mera ilusão ou ficção; a reverência é o reconhecimento da consistência interior e da positividade do ser – de sua independência às modas arbitrárias. A reverência dá ao ser a ocasião de desdobrar-se para como que falar conosco, fecundar nossas mentes. Portanto, a reverência é indispensável a qualquer intelecção adequada do ser. A profundidade e a plenitude do ser, além de todos os seus mistérios, nunca revelar-se-ão senão a uma mente reverente.


Recordem-se de que a reverência é elemento constitutivo da capacidade de "contemplar", que, como Platão e Aristóteles insistiam, é condição indispensável para a filosofia. De fato, a irreverência é a principal origem do erro filosófico. Se a reverência é a condição necessária para qualquer conhecimento seguro do ser, é, além disso, indispensável para acessar e compreender os valores baseados no ser. Somente o homem reverente, pronto a admitir a existência de algo maior que ele mesmo e predisposto ao silêncio, deixando o objeto falar-lhe – o homem que abre seu espírito – é capaz de penetrar no mundo sublime dos valores. Reconhecida a gradação dos valores, um novo tipo de reverência surge: a que responde não tão-somente à majestade do ser enquanto tal, mas ao valor especifico de um ser especifico e a sua posição na hierarquia de valores. Esta nova reverência permite ainda a descoberta de novos valores.


Somente numa atitude reverente o homem reflete seu caráter essencialmente receptivo: sua grandeza última é ser capax Dei. Em outras palavras, o homem possui a capacidade de apreender algo maior que ele mesmo, a fim de ser tocado e fecundado, abandonando-se a este algo por vontade própria – como pura resposta a tais valores. A habilidade de transcender-se distingue o homem da planta e do animal; este último empenha-se apenas em desdobrar a própria enteléquia [forma]. Ora, somente o homem reverente pode conscientemente transcender-se, conforme sua condição humana fundamental e situação metafísica.


Melhor iremos ao encontro do Cristo elevando-nos a Ele, ou arrojando-O no mundo ordinário?Por sua vez, o homem irreverente aproxima-se do ser numa atitude de superioridade arrogante ou atrevida, de familiaridade presunçosa. Neste caso, está mutilado; é o caso do homem que, por muito se aproximar duma árvore ou construção, não pode mais vê-las. Em vez de manter a distância espiritual que lhe é própria – conservando um silêncio reverente, o ser talvez diga alguma coisa –, fecha-se; desta feita, silencia o ser. No incondicionado, a reverência é mais importante que a religião. Sabemos como isso afeta a relação do homem para com Deus. Existe uma ligação íntima entre a reverência e a sacralidade; a reverência permite-nos experimentar o sagrado, ascender para além do profano; a irreverência cega-nos a todo o mundo do sagrado. A reverência, incluindo o medo – em verdade, temor e tremor – é a resposta adequada ao sagrado.


Isso foi esclarecido por Rudolf Otto em seu famoso estudo The Idea of the Holy. Kierkegaard também chama atenção para o papel essencial da reverência no ato religioso, no encontro com Deus.

Igualmente, os judeus não estremecem profundamente quando o sacerdote conduz o sacrifício para o sanctum sanctorum? Isaias não estremeceu de medo devoto quando viu Jeová no templo e exclamou: "Ai de mim, estou perdido! Eu que sou um homem de lábios impuros... todavia meus olhos não viram o Rei"? Não foram tais as palavras de São Pedro após a pescaria miraculosa: "Aparta-se de mim, oh! Senhor, pois eu sou um pecador", testificando que quando a realidade de Deus irrompe sobre nós, somos tomados de temor e reverência?


O cardeal Newman expôs num sermão formidável que o homem que não teme nem reverencia não conhece a realidade de Deus. Quando São Boaventura escreve no Itinerarium Mentis ad Deum que somente o homem de desejo (tal como Daniel) pode entender a Deus, quer dizer que certa disposição de alma deve-se atingir a fim de entender o mundo de Deus, para o qual Ele nos quer levar. Este conselho é aplica-se, sobretudo, à liturgia da Igreja. O sursum corda – a elevação de nossos corações – é o primeiro requisito para a participação real na missa. Nada melhor para impedir a confrontação do homem para com Deus que a noção de "irmos ao altar de Deus" como se fôssemos a um divertido e relaxante compromisso social. Eis porque a missa latina com canto gregoriano, que eleva-nos à atmosfera sagrada, é muitíssimo superior à missa vernacular com músicas populares, que nos inclina a uma atmosfera meramente natural e profana.


O erro fundamental da maioria das inovações é imaginar que a nova liturgia traz o Santo Sacrifício da Missa para perto dos fiéis; que a podando dos velhos rituais trará a missa para a substância de nossas vidas. Perguntamos se é melhor encontrar com Cristo na missa elevando-se até Ele, ou arrojando-O em nosso mundo prosaico e ordinário. Os inovadores substituem a sacra intimidade com Cristo por uma inconveniente familiaridade. Realmente, a nova liturgia ameaça frustrar a confrontação com Cristo, pois desencoraja a reverência em face do mistério, elimina o temor, suprime o sentimento do sagrado. Não importa realmente se os fiéis sentem-se em casa na missa, mas se são transportados de suas vidas ordinárias para o mundo do Cristo – seja pela sua atitude de reverência perfeita, seja por estarem impregnados da realidade do Cristo.


Aqueles que decantam a nova liturgia insistem que, com o passar dos anos, a missa perdeu o caráter comunal e tornou-se ocasião de adoração individualista. A missa nova vernacular restauraria o sentimento de comunidade ao substituir as preces privadas pela participação da comunidade. Porém, esquecem-se de que há diferentes níveis e tipos de comunhão com outrem. O nível e a natureza da experiência comunitária são determinados pelo tema da comunhão, em nome de que ou por causa de que os homens estão reunidos.


O maior bem representado pelo tema, o qual empenha todos os homens, se for o mais sublime e profundo, é a comunhão. O ethos e a natureza da experiência comunitária no caso duma emergência nacional é, obviamente, radicalmente diferente da experiência comunitária num cocktail. As diferenças mais admiráveis serão encontradas entre comunidades cujo tema é o sobrenatural ou o meramente natural. A base da união comunitária é realização espiritual dos homens tocados por Cristo – a Santa Comunhão – , muito mais sublime que a de qualquer comunidade natural. O genuíno "nós comungamos" dos fiéis, tão bem expressado pela liturgia da Quinta-feira Santa nas palavras congregavit nos in unum Christi amor, só é possível como fruto da comunhão eu-Tu com o próprio Cristo. Somente a relação direta Deus-homem pode realizar a sagrada união entre os fiéis.

O "nós-experimentamos" despersonalizante é uma versão perversa da comunidade.

Na comunhão em Cristo, não há a auto-afirmação encontrada nas comunhões naturais. Ela exala a Redenção. Liberta o homem de toda auto-centralização. Contudo, essa comunidade não despersonaliza o indivíduo: longe de dissolver o sujeito numa névoa cósmica e panteísta, tão preconizada hoje em dia, realiza por completo o verdadeiro eu do sujeito. Na comunhão com Cristo não existe o conflito entre a pessoa e a comunidade, que se apresenta nas comunhões naturais. Logo, a comunidade da experiência sagrada está realmente em guerra com o despersonalizante "nós-experimentamos" encontrado nas congregações e nas assembléias populares que tendem a absorver e sublimar o individuo.Esta comunhão em Cristo, que fora tão cheia de vida nos primeiros séculos cristãos, de que todos os santos participaram, que descobriu na liturgia uma expressão sem igual, está agora sob ataque – esta comunhão que nunca considerou o individuo apenas como seguimento da comunidade, ou instrumento para servi-la. Para tal propósito, é importante notar que a ideologia totalitária não está só no sacrifício do individual pelo coletivo; algumas das idéias cósmicas de Teilhard de Chardin, por exemplo, implicam no sacrifício coletivista. Teilhard subordina o individual e sua santificação ao suposto desenvolvimento da humanidade. Até na época em que esta teoria perversa foi adotada por vários católicos, havia muitas razões para que se insistisse vigorosamente no caráter sagrado da verdadeira comunhão em Cristo. Creio que a nova liturgia deva ser julgada por este teste: contribui para a autêntica comunidade sagrada? Concordamos que ela direciona o caráter da comunidade; porém, é o caráter desejado? Essa comunhão é baseada no recolhimento, na contemplação e na reverência? Qual das duas – a missa nova, ou a missa latina com canto gregoriano – evoca tais atitudes d’alma de modo eficaz, permitindo comunhão mais profunda e verdadeira? Não é patente que o caráter comunal da missa nova é puramente profano, e que, como quaisquer outros encontros sociais, é mistura de entretenimento casual e atividade incessante, impedindo a confrontação reverente e contemplativa com Cristo e o mistério inefável da Eucaristia?

É claro que nossa época esta permeada desse espírito de irreverência. Isso é a noção distorcida da liberdade, que exige direitos ao mesmo tempo em que recusa deveres, que exalta a auto-indulgência, que aconselha o "seja você mesmo". O habitare secum dos Diálogos de São Gregório – o permanecer na presença de Deus, o que pressupõe reverência – hoje é considerado como antinatural, pomposo e servil. Porém, não é a missa nova um compromisso com o espírito moderno? Donde vem a depreciação da genuflexão? Por que a Eucaristia deve ser recebia em pé? Em nossa cultura, não é o ajoelhar-se a expressão clássica da adoração reverente? O argumento de que durante a refeição devemos antes estar de pé que ajoelhados é difícil de engolir. Além disso, esta não é a postura natural para comer: no relógio de Cristo, o estar sentado é o mesmo que dormir. Porém, o mais importante é a concepção irreverente da Eucaristia, para lhe enfatizar o caráter de refeição, em detrimento do caráter especial de mistério sagrado.


Enfatizar a refeição às expensas do sacramento certamente denuncia uma tendência a obscurecer a sacralidade do sacrifício. Tal tendência parece ligada à lamentável crença de que a vida religiosa vai se tormar mais vívida, mais existencial se for imersa em nossa vida cotidiana. Todavia, corremos o perigo de absorver o religioso no mundano, de apagar a diferença entre o sobrenatural e o natural. Temo que isso represente uma intrusão inconsciente do espírito naturalista, do espírito tal como expressado pelo imanentismo de Teilhard de Chardin.


Novamente, porque se aboliu a genuflexão às palavras "et incarnatus est" do Credo? Não era esse um gesto belo e nobre de adoração reverente ao professar o abrasador mistério da Encarnação? Quaisquer que sejam as intenções do inovador, certamente criaram o risco, mesmo que somente psicológico, da diminuição do temor religioso e do respeito ao mistério. Porém, existe mais uma razão para hesitar fazer mudanças desnecessárias na liturgia. As mudanças frívolas ou arbitrarias são aptas a erodir um tipo especial de reverência: a pietas. A palavra latina, como a alemã pietaet, não possui equivalente em inglês, mas pode ser entendida como respeito geral pela tradição; honra àquilo que nos foi legado pelas antigas gerações; fidelidade aos nossos ancestrais e suas obras. Note que pietas é uma palavra derivada de reverência, porém não deve ser confundida com a reverência enquanto tal, que descrevemos como resposta ao grande mistério do ser e sobretudo, uma resposta a Deus. Segue-se que, se o conteúdo de uma dada tradição não corresponde ao objeto de reverência original, não merece a reverência derivada. Se uma tradição incorpora elementos maus, tais como os sacrifícios de seres humanos, no culto dos Astecas, então esses elementos não devem ser tomados por pietas.


Não é, todavia, o caso cristão. Os que idolatram nossa época, que se impressionam com o que é moderno simplesmente por sê-lo, que acreditam que, em nossos dias, o homem finalmente "atingiu a maioridade", carece de pietas. O orgulho desses "nacionalistas temporais" não é somente irreverente, mas incompatível com a fé real. Um católico deve observar a liturgia com pietas. Deve reverenciar, e portanto, temer abandonar as orações, as posturas e as músicas que foram aprovadas por tantos santos durante a Era Cristã, deixadas para nós como preciosa herança. Para não ir muito longe, a ilusão de que possamos substituir o canto gregoriano, com seus hinos inspirados e ritmos, por uma música tão boa quanto, senão melhor, denuncia uma auto-afirmação ridícula e falta de auto-conhecimento.


Não podemos esquecer que, através da história do cristianismo, silêncio e solidão, contemplação e recolhimento foram considerados necessários para alcançar uma confrontação real com Deus. Este não é apenas um conselho da tradição cristã, a qual deve ser respeitada pela pietas: está enraizado na natureza humana. O recolhimento é a base necessária para a verdadeira comunhão; da contemplação surge a base necessária para a ação efetiva na vinha do Senhor. Uma espécie superficial de comunhão – a camaradagem jovial duma relação social – arrasta-nos para a periferia. Uma verdadeira comunhão cristã arrasta-nos para dentro dos abismos espirituais.


O caminho da verdadeira comunhão cristã: reverência..., recolhimento..., contemplação. Claro que devemos lamentar a carolice sentimental e individualista, reconhecendo que muitos católicos praticam-na. A experiência não é remédio para isso, nem a atividade é cura para a pseudo-contemplação. O remédio é encorajar a verdadeira reverência, a atitude de autêntico recolhimento e devoção contemplativa do Cristo. Somente tal atitude possibilita que aconteça uma verdadeira comunhão em Cristo. As leis fundamentais da vida religiosa que governam a imitação de Cristo, a transformação em Cristo, não se modificam de acordo com as modas e hábitos do momento histórico. A diferença entre a experiência comunitária superficial e a experiência comunitária profunda é sempre a mesma. O recolhimento e a adoração contemplativa do Cristo – que só a reverência torna possível – seria a base necessária para a verdadeira comunhão com os demais em Cristo, em qualquer era da história humana.
Fonte:o ultrapapista atanasiano

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Entrevista com Dra. Alice von Hildebrand sobre a Crise na Igreja

 Entrevista com Dra. Alice von Hildebrand sobre a Crise na Igreja

Dra. Alice von Hildebrand é esposa do falecido filósofo e teólogo católico Dietrich von Hildebrand (foto de ambos), que foi chamado por Pio XII de "doutor do século XX".

* * * *

A conversa a seguir com Dra. Alice Von Hildebrand abre nossa discussão para o foco desta edição: A Crise na Igreja – Cenários para uma Solução. Dra. Von Hildebrand, professora emérita de filosofia de Hunter College (City University of New York), acabara de completar The Soul of a Lion, uma biografia de seu marido, Dietrich.


TLM: Dra. von Hildebrand, no tempo em que o Papa João XXIII convocou o Concílio Vaticano Segundo, a senhora percebeu qualquer necessidade de reforma dentro da Igreja?

AVH:: A maior parte da intuição sobre isso vem do meu marido. Ele sempre disse que os membros da Igreja, devido aos efeitos do pecado original e do pecado atual, se encontram sempre com necessidade de reforma. O ensinamento da Igreja, porém, vem de Deus. Nenhum acento deve ser modificado ou necessita de reforma.


TLM: Em termos da crise atual, quando a senhora percebeu que algo estava terrivelmente errado?

AVH: Era fevereiro de 1965, e estava num ano sabático em Florença. Meu marido estava lendo um jornal teológico, e de repente, ouvi-o desatar em lágrimas. Corri até ele, temerosa de que seu coração houvesse lhe causado dores. Perguntei-lhe se estava bem. Ele me disse que o artigo que lia lhe fez intuir que o demônio havia penetrado na Igreja. Veja, meu marido foi o primeiro alemão proeminente a se pronunciar publicamente contra Hitler e o Nazismo. As suas intuições eram sempre prescientes.

TLM: Seu marido tinha falado sobre seu temor pela Igreja antes desse incidente?

AVH:: Relato na biografia do meu marido, "The Soul of a Lion", que poucos anos após sua conversão ao Catolicismo nos anos vinte, ele começou a ensinar na Universidade de Munique. Munique era uma cidade católica. Maioria dos Católicos da época ia às Missas, mas ele sempre disse que foi ali que ele começou a se preocupar com a perda do sentido de sobrenatural entre os Católicos. Um incidente em especial lhe ofereceu suficiente prova e isso o entristecia imensamente.

Quando passava por uma porta, meu marido sempre deixava passar primeiro seus alunos que eram sacerdotes. Um dia, um dos seus colegas (um Católico) expressou sua surpresa e desagrado: “Por que você deixa seus alunos entrar antes de você?” “Porque são sacerdotes”, respondeu meu marido. “Mas eles não possuem PhD”. Meu marido se sentiu arrasado. Valorizar PhD é uma reação natural; estar ciente da sublimidade do sacerdócio é uma reação sobrenatural. A atitude daquele professor provava que a sua reação para o sobrenatural havia erodido. Isso foi muito antes do Vaticano II. Mas até Concílio, a beleza e a sacralidade da liturgia Tridentina mascarava esse fenômeno.

TLM: Seu marido achava que o declínio do sentido do sobrenatural havia comecado nessa época, e no caso afirmativo, como ele o explicava?

AVH: Não, ele acreditava que após a condenação da heresia do Modernismo pelo Papa Pio X, seus proponentes simplesmente havia se retirado para subsolo. Ele diria que então eles tomaram uma abordagem muito mais sutil e prática. Espalhavam dúvidas simplesmente levantando questões sobre as grandes intervenções sobrenaturais através da história da salvação, tais como Nascimento Virginal e virgindade perpétua de Nossa Senhora, bem como a Ressurreição e a Sagrada Eucaristia. Eles sabiam que uma vez abalada a fé – a fundação – a liturgia e os ensinamentos morais da Igreja também desmoronariam. Meu marido intitulou um dos seus livros The Devastated Vineyard (A Vinha Devastada). Após Vaticano II parece que um tornado havia atingido a Igreja.

O próprio Modernismo era fruto de calamidade do Renascimento e da Revolta Protestante, e levou um longo processo histórico para se revelar. Se fôssemos perguntar a um Católico típico da Idade Média o nome de um herói ou heroína, ele certamente citaria um santo. O Renascimento começou a mudar isso. Ao invés de um santo, as pessoas pensariam num gênio como pessoas a imitar, e com a chegada da era industrial, as pessoas citariam um grande cientista. Hoje elas responderiam com o nome de um esportista ou personagens da mídia. Em outras palavras, a perda do sentido do sobrenatural trouxe a inversão da hierarquia de valores.

Mesmo o pagão Platão estava aberto para o sentido do sobrenatural. Ele falou da fraqueza, fragilidade e covardia freqüentemente evidenciadas na natureza humana. Ele foi indagado por um crítico do porquê de tal baixa estima sobre a humanidade. Ele respondeu que não denegria o homem, apenas comparava-o a Deus.

Com a perda do sentido de sobrenatural, há uma perda do sentido da necessidade para o sacrifício, hoje. Quanto mais alguém se aproxima de Deus, maior é a sua consciência de ser pecador. Quando mais alguém se afasta de Deus, como hoje, mais escutamos a filosofia da nova era “Estou bem, Você está bem”. A perda da inclinação para o sacrifício leva ao obscurecimento da missão redentora da Igreja. Onde a Cruz é subestimada a nossa necessidade de redenção é igualmente ignorada. A aversão ao sacrifício e redenção ajudou a secularização da Igreja do seu interior. Temos ouvido durante muitos anos dos sacerdotes e bispos sobre a necessidade da Igreja se adaptar ao mundo. Grandes Papas como S. Pio X disseram exatamente o oposto: o mundo deve se adaptar à Igreja.

TLM: Da nossa conversa, devo concluir que a senhora não acredita que a perda acelerada do sentido do sobrenatural seja um acidente no percurso da história.


AVH: Não, não acredito. Houve dois livros publicados na Itália nestes anos que confirmam o que meu marido suspeitava há algum tempo: que tem havido uma infiltração sistemática da Igreja pelos inimigos diabólicos por todo este século. Meu marido foi um homem muito esperançoso e otimista por natureza. Durante os dez últimos anos de sua vida, porém, testemunhei muitos momentos de grande tristeza, e freqüentemente o ouvi repetir: “Eles dessacralizaram a Santa Esposa de Cristo”. Ele estava se referindo à “abominação da desolação” da qual fala o profeta Daniel.

TLM: Esta é uma admissão crítica, Dra. von Hildebrand. Seu marido foi chamado Doutor da Igreja do Século XX pelo Papa Pio XII. Ele não teria acesso ao Vaticano para falar dos seus temores para o Papa Paulo VI?

AVH:: Mas foi exatamente o que ele fez! Nunca esquecerei a audiência privada que tivemos com Paulo VI logo antes do fim do Vaticano II. Foi em 21 de junho de 1965. Assim que meu marido começou a apelar para que ele condenasse as heresias que estavam se espalhando, o Papa o interrompeu com as palavras, “Lo scriva, lo scriva.” (“Escreva-o.”). Momentos depois, pela segunda vez, meu marido expôs a gravidade da situação ao Papa. A mesma resposta. Sua Santidade nos recebeu em pé. Estava claro que o Papa se sentia muito inconfortável. A audiência durou apenas alguns minutos. Paulo VI deu imediatamente um sinal ao seu secretário, Pe. Capovilla, para nos trazer rosários e medalhas. Nós então retornamos à Florença onde meu marido escreveu um longo documento (não publicado até hoje) que foi entregue a Paulo VI na véspera da última sessão do Concílio. Era setembro de 1965. Após ler o documento de meu marido, ele disse ao sobrinho do meu marido, Dieter Sattler, que havia se tornado embaixador alemão da Santa Sé, que havia lido o documento cuidadosamente, mas que “era um pouco áspero”. A razão era óbvia: o meu marido havia humildemente solicitado uma clara condenação de afirmações heréticas.

TLM: A senhora percebe, certamente, Doutora, que tão logo a senhora menciona essa idéia da infiltração, haverá aqueles que levantam seus olhos em desdém e bradam, “ei, outra teoria de conspiração!?”

AVH: Eu só posso dizer o que sei. É uma questão de registro público, por exemplo, que Bella Dodd, uma ex-Comunista que se re-converteu à Igreja, falou abertamente da deliberada infiltração dos agentes do partido Comunista nos seminários. Ela contou ao meu marido e a mim que quando era membro ativo do partido, se encontrou com não menos que quatro cardeais dentro do Vaticano, “que trabalhavam para nós”.

Muitas vezes ouvi os norte-americanos dizerem que os europeus “cheiram conspiração onde quer que vão”. Mas desde o início, o Demônio tem conspirado contra a Igreja – e sempre procurou em particular destruir a Missa e destruir a fé na Real Presença de Cristo na Eucaristia. Que algumas pessoas estejam tentadas a ignorar esse fato inegável não é razão para negar sua realidade. Por outro lado, eu, nascida européia, estou tentada a afirmar que muitos americanos são ingênuos; vivendo num país que tem sido abençoado pela paz, e conhecendo pouco a história, são mais propensos que os europeus (cuja história é tumultuada) a cair vítimas de ilusões. Rousseau tem tido enorme influência nos Estados Unidos . Quando Cristo disse aos Seus apóstolos na Última Ceia que “um de vós Me trairá”, os apóstolos ficaram perplexos. Judas havia agido de tal modo que ninguém suspeitava dele, pois um conspirador astuto sabe como cobrir seus traços com uma demonstração de ortodoxia.

TLM: Os dois livros escritos pelos sacerdotes italianos que a senhora mencionou contêm evidências dessa infiltração?

AVH: Os dois livros que mencionei foram publicados em 1998 e 2000 pelo sacerdote italiano, Don Luigi Villa da diocese de Brescia, que sob a solicitação do Padre Pio dedicou muitos anos de sua vida na investigação da possível infiltração dos Franco-maçons e Comunistas na Igreja. Meu marido e eu encontramos Don Villa nos anos sessenta. Ele alega que não faz nenhuma afirmação que não possa comprovar. Quando Paulo Sesto Beato? (1998) foi publicado, o livro foi enviado a cada bispo italiano. Nenhum deles reconheceu o recebimento, nenhum deles desafiou as alegações de Don Villa.

Neste livro, ele relata algo que nenhuma autoridade eclesiástica refutou nem pediu para ser retratado – embora ele nomeie personalidades particulares acerca do incidente.. Trata de atrito entre Papa Pio XII e o então Bispo Montini (o futuro Paulo VI) que era seu Sub-secretário do Estado. Pio XII, ciente da ameaça do Comunismo, que logo após a Segunda Guerra Mundial dominava quase a metade da Europa, havia proibido os funcionários do Vaticano a manter qualquer relação com Moscou. Para sua decepção ele foi informado um dia através do Bispo de Upsala (Suécia) de que sua ordem estrita havia sido contrariada. O Papa se negou a dar crédito a esse rumor até receber evidência inegável de que Montini mantinha correspondência com várias agências Soviéticas. Durante todo esse tempo, o Papa Pio XII (assim como Pio XI) havia enviado sacerdotes clandestinamente à Rússia para consolar os Católicos que viviam atrás da Cortina de Ferro. Cada um deles havia sido sistematicamente preso, torturado e mesmo executado ou enviado ao Gulag. Finalmente um delator de Vaticano foi descoberto: Alighiero Tondi, S.J., que era um conselheiro próximo de Montini. Tondi era um agente trabalhando para Stalin cuja missão era manter Moscou informado sobre as iniciativas tais como o envio de sacerdotes para a União Soviética.

Acrescente-se a isso o tratamento do Papa Paulo ao Cardeal Mindszenty. Contra sua vontade, Mindszenty foi ordenado pelo Vaticano a deixar Budapeste. Como quase todos sabem, ele havia escapado dos Comunistas e buscou refúgio na embaixada norte-americana. O Papa havia lhe dado sua promessa solene de que ele permaneceria primado de Hungria enquanto vivesse. Quando o Cardeal (que foi torturado pelos Comunistas) chegou em Roma, Paulo VI abraçou-o calorosamente, mas depois o enviou em exílio para Viena. Logo depois, seu santo prelado foi informado que havia sido destituído e que havia sido substituído por alguém mais aceitável pelo governo Húngaro Comunista. Mais intrigante e tragicamente triste é o fato de que quando morreu Mindszenty, nenhum representante da Igreja esteve presente no seu enterro.

Outra das alusões de infiltração de Don Villa é aquela relatada pelo Cardeal Gagnon. Paulo VI havia solicitado ao Gagnon para encabeçar uma investigação acerca da infiltração da Igreja pelos inimigos poderosos. Cardeal Gagnon (na época um Arcebispo) aceitou essa tarefa desagradável e compeliu um longo dossiê, rico em fatos preocupantes. Quando o trabalho foi completado, ele solicitou uma audiência com o Papa Paulo a fim de deliberar pessoalmente o manuscrito para o Pontífice. Essa solicitação para um encontro foi negada. O papa enviou ordem para que o documento fosse colocado nos escritórios da Congregação para os Clérigos, especificamente num cofre com dupla fechadura. Isso foi feito, mas no dia seguinte a caixa foi arrombada e o manuscrito desapareceu misteriosamente. A política usual do Vaticano é se assegurar que tais incidentes nunca vejam a luz do dia. Entrementes, esse roubo foi noticiado até no L’Osservatore Romano (talvez sob pressão porque isso não foi noticiado na imprensa secular). Cardeal Gagnon, logicamente, possuíam uma cópia, e novamente solicitou ao papa uma audiência privada. Novamente sua solicitação foi negada. Ele então decidiu deixar Roma e retornar a sua terra natal, Canadá. Mais tarde, foi chamado de volta a Roma pelo Papa João Paulo II e feito cardeal.

TLM: Por que Don Villa escreveu essas obras tendo como alvo de suas críticas Paulo VI?

AVH: Don Villa se manteve relutante para publicar os livros aos quais aludi. Mas quando vários bispos começaram a se movimentar para a beatificação de Paulo VI, esse sacerdote percebeu que era um momento de chamada para publicar as informações que havia coletado através dos anos. Assim fazendo, estava seguindo as orientações de uma Congregação Romana, informando aos fiéis que era seu dever como membros da Igreja confiar à Congregação qualquer informação que possa obstruir as qualificações do candidato para a beatificação.

Considerando o pontificado tumultuoso de Paulo VI, e os sinais confusos que fornecia, por exemplo, falando da “fumaça de Satanás que penetrou na Igreja”, e, entretanto, se recusando a condenar oficialmente as heresias; a sua promulgação de Humanae Vitae (a glória do seu pontificado), porém, sua cuidadosa recusa em proclamá-la ex-cathedra; oferecendo seu Credo do Povo de Deus em Praça S. Pedro em 1968, e novamente fracassando em declará-lo como unificador de todos os Católicos; desobedecendo as ordens estritas de Pio XII em não manter contato com Moscou, e agradando o governo Comunista Húngaro ao renegar a promessa solene que havia feito ao Cardeal Mindszenty; seu tratamento com relação ao santo Cardeal Slipyj, que passou dezessete anos num Gulag, simplesmente para se tornar um prisioneiro virtual no Vaticano; e finalmente, solicitando ao Arcebispo Gagnon para investigar possível infiltração no Vaticano, apenas para recusá-lo para uma audiência quando o trabalho estava completo – tudo isso fala fortemente contra a beatificação de Paulo VI, ecoando em Roma, “Paolo Sesto, Mesto” (Paul VI, o triste).

Que o dever de publicar essa informação deprimente foi oneroso e custou grande sofrimento ao Don Vila é inegável. Qualquer Católico rejubila quando ele pode levantar os olhos e contemplar com veneração irrestrita um Papa. Mas os Católicos sabem também que embora Cristo não tenha prometido conceder líderes perfeitos, prometeu que os portões do inferno nunca prevaleceriam. Não esqueçamos que muito embora a Igreja tivesse alguns papas muito ruins, e outros, medíocres, ela tem sido abençoada com muitos grandes Papas. Oitenta deles foram canonizados e vários, beatificados. Esta é uma história de sucesso sem paralelo no mundo secular.

Somente Deus é juiz de Paulo VI. Mas não se deve negar que seu pontificado foi muito complexo e trágico. Foi sob seu pontificado que, num curso de quinze anos, mais mudanças foram introduzidas na Igreja que em todos os séculos precedentes juntos. O que é preocupante é que quando lemos o testemunho de ex-Comunistas como Bella Dodd, e estudamos documentos maçônicos (datados do século dezenove, e geralmente escritos por sacerdotes dissidentes como Paul Rocca), podemos ver que, em larga extensão, suas agendas foram realizadas: o êxodo de sacerdotes e freiras após o Vaticano II, teólogos dissidentes não censurados, o feminismo, a pressão sobre a Roma para abolir o celibato sacerdotal, imoralidade entre os clérigos, liturgias blasfemas, as mudanças radicais que foram introduzidas na sagrada liturgia (vide Milestones do Cardeal Ratzinger, pp. 126 e 148, Ignatius Press) e um ecumenismo sem rumo. Apenas um cego poderia negar que muitos dos planos do Inimigo têm sido perfeitamente realizados.

Não devemos nos esquecer que o mundo foi abalado com o que fez Hitler. Pessoas como meu marido, porém, perceberam o que estava de fato escrito em Mein Kampf. O plano estava ali. O mundo simplesmente optou por não acreditar. Porém, quão grave esteja a situação, nenhum Católico engajado deve esquecer que Cristo prometeu que Ele estará com Sua Igreja até o fim do mundo. Devemos meditar sobre a cena relatada no Evangelho quando o barco dos apóstolos foi ameaçado por uma forte tempestade. Cristo estava dormindo! Seus seguidores assustados O acordaram: Ele disse uma única palavra e, de repente, tudo se acalmou. “Ó vós, que tendes pouca fé!”

TLM: Segundo suas observações sobre ecumenismo, a senhora não concorda com a política atual de “convergência” ao invés de “conversão”?

AVH: Deixe-me relatar um incidente que causou grande pesar ao meu marido. Era 1946, logo depois da guerra. Meu marido lecionava em Fordham, e ali apareceu numa de suas aulas um estudante Judeu que havia sido um oficial da Marinha durante a guerra. Ele eventualmente contaria ao meu marido sobre um pôr-do-sol extraordinário no pacífico e como isso fê-lo se aproximar da verdade sobre Deus. Primeiro ingressou na Columbia para estudar filosofia, e ele descobriu que isso não era o que procurava. Um amigo lhe sugeriu tentar a filosofia na Fordham e mencionou o nome de Dietrich Von Hildebrand. Depois de apenas uma aula com meu marido, descobriu o que buscava. Um dia, após a aula, meu marido e seu aluno foram dar uma caminhada. Ele disse ao meu marido na ocasião que estava surpreso com o fato de que vários professores, após descobrir que ele era Judeu, asseguraram-lhe que não tentariam convertê-lo ao Catolicismo. Meu marido, estupefato, parou, voltou-se para ele e disse, “Eles disseram o quê?!” O aluno repetiu a história e meu marido lhe disse, “Iria até o fim do mundo para transformá-lo num Católico”. Para resumir a longa história, o jovem se tornou um Católico, foi ordenado sacerdote Católico e ingressou na única Casa dos Cartuchos nos Estados Unidos (em Vermont)!

TLM: A senhora passou muitos anos lecionando em Hunter College.

AVH: Sim, e vários dos meus alunos se tornaram Católicos. Oh, quantas e belas histórias de conversão poderia relatar se tivesse tempo – jovens que foram arrebatados pela verdade! Eu gostaria, entretanto, de deixar claro um ponto.. Não converti meus alunos. O máximo que podemos fazer é rezar para sermos instrumentos de Deus. Para sermos instrumentos de Deus, devemos nos esforçar para viver diariamente o Evangelho em todas as circunstâncias. Apenas a graça de Deus pode nos conceder o desejo e capacidade para tanto.

Eis um dos temores que tenho em relação aos Católicos tradicionais. Algum flerte com o fanatismo. Um fanático é aquele considera a verdade sua posse ao invés de dom de Deus. Somos servos da verdade, e é como servos que devemos procurar partilhá-la. Estou ciente de que há Católicos fanáticos que usam a Fé e a Verdade que proclamam como um instrumento intelectual. Uma autêntica apropriação da verdade sempre leva ao esforço para a santidade. A Fé, nesta crise atual, não é um jogo de xadrez intelectual. Para aqueles que não se esforçam para a santidade, a fé se reduzirá a isso. Tais pessoas fazem mais mal à Fé, particularmente se estes são defensores da Missa tradicional.

TLM: Então a senhora acha que o único cenário para uma solução da crise atual é a renovação de um esforço para a santidade?

AVH: Não devemos nos esquecer que estamos lutando não apenas contra carne e sangue, mas contra “poderes e principados”. Isso deveria nos provocar suficiente temor para esforçarmo-nos mais que nunca para a santidade, e orar fervorosamente que a Santa Esposa de Cristo, que se encontra agora no Calvário, saia dessa terrível crise mais radiante que nunca. A resposta Católica é sempre a mesma: absoluta fidelidade aos santos ensinamentos da Igreja, fidelidade à Santa Sé, freqüente recepção de sacramentos, Rosário, leitura espiritual diária, e gratidão por termos recebido a plenitude da revelação de Deus: “Gaudete, iterum dico vobis, Gaudete.”

TLM: Não posso terminar a entrevista sem fazer à senhora uma pergunta já um tanto desgastada. Há críticos da antiga Missa latina que indicam que a crise na Igreja se desenvolveu no tempo em que a Missa era oferecida no mundo inteiro. Por que deveríamos achar que o seu retorno é intrínseco para a solução da crise?

AVH: O demônio odeia a antiga Missa. Ele a odeia porque é a mais perfeita reformulação de todos os ensinamentos da Igreja. Foi meu marido que me deu essa intuição sobre a Missa. O problema que provocou o crise atual não foi a Missa Tradicional. O problema é que os sacerdotes que a ofereciam já haviam perdido o sentido do sobrenatural e transcendente. Eles se apressavam em fazer as orações, murmuravam e não as enunciavam. Eis um sinal que introduziram à Missa com o seu crescente secularismo. A antiga Missa não permitia espaço para irreverência, e é por isso que muitos sacerdotes se sentiram felizes em se desvencilhar dela.

TLM: Obrigado, Dra. Von Hildebrand por esta oportunidade de conversar com a senhora.

Fonte:O Atanasiano Ultrapapista

domingo, 10 de fevereiro de 2013

O Pleito pela Missa Latina por Dietrich von Hildebrand : Existe uma ligação íntima entre a reverência e a sacralidade; a reverência permite-nos experimentar o sagrado, ascender para além do profano; a irreverência cega-nos a todo o mundo do sagrado. A reverência, incluindo o medo – em verdade, temor e tremor – é a resposta adequada ao sagrado.

Dietrich von Hildebrand foi um dos filósofos cristãos mais eminentes do mundo. Professor na Fordham University, o Papa Pio XII chamou-o "o Doutor da Igreja no século 20". Ele é autor de vários livros, incluindo Transformation in Christ e Liturgy and Personality.

TRIUMPH, Outubro 1966

Os argumentos da Nova Liturgia foram elegantemente condicionados, e talvez agora sejam estudados por recomendação. A nova forma da missa foi planejada para empenhar o celebrante e o fiel numa atividade comunal. No passado, o fiel servia a missa em isolamento pessoal, com cada crente fazendo suas preces privadas, ou, na melhor, seguindo as fórmulas no missal. Hoje, o fiel pode aproveitar o carácter social da celebração; estão aprendendo apreciá-la tal quais os almoços comunitários.


Antigamente, o sacerdote murmurava em língua morta, o que criava barreiras entre este e o povo. Agora, todos falam em inglês, o que tende a unir estreitamente povo e sacerdote. No passado, o sacerdote realizava a missa de costa para o povo, dando um clima de ritual esotérico. Hoje, a missa é ocasião mais fraternal, pois o sacerdote encara o povo. No passado, o sacerdote entoava estranhos cânticos medievais. Hoje, toda a assembleia executa canções de melodias simples e letras fáceis; estão até flertando com a música popular. Concluindo, o pleito pela missa nova resume-se a isto: fazer o fiel estar mais a vontade na casa de Deus.


Além do mais, dizem ter tais inovações a sanção da Autoridade; elas são apresentadas como resposta obediente ao espírito do Concilio Vaticano II. Todavia, o concílio diz, na sua constituição sobre liturgia, que a missa vernacular só é permitida em casos em que o bispo local ache-a oportuna; a constituição insiste fortemente na permanência da missa latina e aprova, de forma inconteste, o canto gregoriano.


Porém, os "progressistas" litúrgicos não se abalaram com a diferença entre permitir e ordenar. Sequer hesitaram quando autorizaram modificações, tais como o estar de pé ao receber a Santa Comunhão, o que não é mencionado pela constituição. Os progressistas argúem que podem tomar tais liberdades, pois a constituição é, afinal de contas, apenas o primeiro passo num processo evolucionário. Eles parecem estar neste caminho. Hoje, em qualquer lugar, é mui difícil encontrar a missa latina; nos Estados Unidos, são praticamente inexistentes. Até a missa conventual dos mosteiros é falada em vernáculo, e o glorioso gregoriano foi substituído por melodias insignificantes.

Minha preocupação não é com o estatuto legal das mudanças. Insisto: não quero dar a entender que reclamo de a constituição ter permitido o vernáculo substituir o latim. O que deploro é que a missa nova está substituindo a latina, que a antiga liturgia está sendo imprudentemente estraçalhada e negada pela maioria do povo de Deus.


Gostaria de levantar algumas questões àqueles que estão a promover tais desdobramentos: a missa nova, , melhorará o espírito humano mais que a antiga – evoca o sentido de eternidade? Ajudará a elevar nossos corações acima das preocupações mundanas – acima dos aspectos puramente naturais do mundo – até a Cristo? Aumentará a reverência, a apreciação do sagrado?

Certo, tais questões são retóricas e auto-evidentes. Fi-las, pois penso que cristãos sérios vão querer considerar sua importância antes de chegarem a uma conclusão sobre os méritos da nova liturgia. Qual o papel da reverência numa vida verdadeiramente cristã, e, mais importante, numa verdadeira adoração cristã de Deus?A reverência dá ao ser ocasião de falar connosco: a grandeza última do homem é ser capax Dei. A reverência é de importância capital para todos os domínios da vida do homem. Ela pode ser chamada correctamente de "mãe de todas as virtudes", pois esta atitude básica pressupõe todas as virtudes.


O gesto mais elementar de reverência é um reflexo do próprio ser. Ela distingue-se da majestade exterior do ser, que provém da mera ilusão ou ficção; a reverência é o reconhecimento da consistência interior e da positividade do ser – de sua independência às modas arbitrárias. A reverência dá ao ser a ocasião de desdobrar-se para como que falar connosco, fecundar nossas mentes. Portanto, a reverência é indispensável a qualquer intelecção adequada do ser. A profundidade e a plenitude do ser, além de todos os seus mistérios, nunca revelar-se-ão senão a uma mente reverente.


Recordem-se de que a reverência é elemento constitutivo da capacidade de "contemplar", que, como Platão e Aristóteles insistiam, é condição indispensável para a filosofia. De fato, a irreverência é a principal origem do erro filosófico. Se a reverência é a condição necessária para qualquer conhecimento seguro do ser, é, além disso, indispensável para acessar e compreender os valores baseados no ser. Somente o homem reverente, pronto a admitir a existência de algo maior que ele mesmo e predisposto ao silêncio, deixando o objeto falar-lhe – o homem que abre seu espírito – é capaz de penetrar no mundo sublime dos valores. Reconhecida a gradação dos valores, um novo tipo de reverência surge: a que responde não tão-somente à majestade do ser enquanto tal, mas ao valor especifico de um ser especifico e a sua posição na hierarquia de valores. Esta nova reverência permite ainda a descoberta de novos valores.


Somente numa atitude reverente o homem reflecte seu carácter essencialmente receptivo: sua grandeza última é ser capax Dei. Em outras palavras, o homem possui a capacidade de apreender algo maior que ele mesmo, a fim de ser tocado e fecundado, abandonando-se a este algo por vontade própria – como pura resposta a tais valores. A habilidade de transcender-se distingue o homem da planta e do animal; este último empenha-se apenas em desdobrar a própria enteléquia [forma]. Ora, somente o homem reverente pode conscientemente transcender-se, conforme sua condição humana fundamental e situação metafísica.


Melhor iremos ao encontro do Cristo elevando-nos a Ele, ou arrojando-O no mundo ordinário?Por sua vez, o homem irreverente aproxima-se do ser numa atitude de superioridade arrogante ou atrevida, de familiaridade presunçosa. Neste caso, está mutilado; é o caso do homem que, por muito se aproximar duma árvore ou construção, não pode mais vê-las. Em vez de manter a distância espiritual que lhe é própria – conservando um silêncio reverente, o ser talvez diga alguma coisa –, fecha-se; desta feita, silencia o ser. No incondicionado, a reverência é mais importante que a religião. Sabemos como isso afecta a relação do homem para com Deus. Existe uma ligação íntima entre a reverência e a sacralidade; a reverência permite-nos experimentar o sagrado, ascender para além do profano; a irreverência cega-nos a todo o mundo do sagrado. A reverência, incluindo o medo – em verdade, temor e tremor – é a resposta adequada ao sagrado.


Isso foi esclarecido por Rudolf Otto em seu famoso estudo The Idea of the Holy. Kierkegaard também chama atenção para o papel essencial da reverência no ato religioso, no encontro com Deus.

Igualmente, os judeus não estremecem profundamente quando o sacerdote conduz o sacrifício para o sanctum sanctorum? Isaias não estremeceu de medo devoto quando viu Jeová no templo e exclamou: "Ai de mim, estou perdido! Eu que sou um homem de lábios impuros... todavia meus olhos não viram o Rei"? Não foram tais as palavras de São Pedro após a pescaria miraculosa: "Aparta-se de mim, oh! Senhor, pois eu sou um pecador", testificando que quando a realidade de Deus irrompe sobre nós, somos tomados de temor e reverência?


O cardeal Newman expôs num sermão formidável que o homem que não teme nem reverencia não conhece a realidade de Deus. Quando São Boaventura escreve no Itinerarium Mentis ad Deum que somente o homem de desejo (tal como Daniel) pode entender a Deus, quer dizer que certa disposição de alma deve-se atingir a fim de entender o mundo de Deus, para o qual Ele nos quer levar. Este conselho é aplica-se, sobretudo, à liturgia da Igreja. O sursum corda – a elevação de nossos corações – é o primeiro requisito para a participação real na missa. Nada melhor para impedir a confrontação do homem para com Deus que a noção de "irmos ao altar de Deus" como se fôssemos a um divertido e relaxante compromisso social. Eis porque a missa latina com canto gregoriano, que eleva-nos à atmosfera sagrada, é muitíssimo superior à missa vernacular com músicas populares, que nos inclina a uma atmosfera meramente natural e profana.


O erro fundamental da maioria das inovações é imaginar que a nova liturgia traz o Santo Sacrifício da Missa para perto dos fiéis; que a podando dos velhos rituais trará a missa para a substância de nossas vidas. Perguntamos se é melhor encontrar com Cristo na missa elevando-se até Ele, ou arrojando-O em nosso mundo prosaico e ordinário. Os inovadores substituem a sacra intimidade com Cristo por uma inconveniente familiaridade. Realmente, a nova liturgia ameaça frustrar a confrontação com Cristo, pois desencoraja a reverência em face do mistério, elimina o temor, suprime o sentimento do sagrado. Não importa realmente se os fiéis sentem-se em casa na missa, mas se são transportados de suas vidas ordinárias para o mundo do Cristo – seja pela sua atitude de reverência perfeita, seja por estarem impregnados da realidade do Cristo.


Aqueles que decantam a nova liturgia insistem que, com o passar dos anos, a missa perdeu o carácter comunal e tornou-se ocasião de adoração individualista. A missa nova vernacular restauraria o sentimento de comunidade ao substituir as preces privadas pela participação da comunidade. Porém, esquecem-se de que há diferentes níveis e tipos de comunhão com outrem. O nível e a natureza da experiência comunitária são determinados pelo tema da comunhão, em nome de que ou por causa de que os homens estão reunidos.


O maior bem representado pelo tema, o qual empenha todos os homens, se for o mais sublime e profundo, é a comunhão. O ethos e a natureza da experiência comunitária no caso duma emergência nacional é, obviamente, radicalmente diferente da experiência comunitária num cocktail. As diferenças mais admiráveis serão encontradas entre comunidades cujo tema é o sobrenatural ou o meramente natural. A base da união comunitária é realização espiritual dos homens tocados por Cristo – a Santa Comunhão – , muito mais sublime que a de qualquer comunidade natural. O genuíno "nós comungamos" dos fiéis, tão bem expressado pela liturgia da Quinta-feira Santa nas palavras congregavit nos in unum Christi amor, só é possível como fruto da comunhão eu-Tu com o próprio Cristo. Somente a relação direta Deus-homem pode realizar a sagrada união entre os fiéis.

O "nós-experimentamos" despersonalizante é uma versão perversa da comunidade.

Na comunhão em Cristo, não há a auto-afirmação encontrada nas comunhões naturais. Ela exala a Redenção. Liberta o homem de toda auto-centralização. Contudo, essa comunidade não despersonaliza o indivíduo: longe de dissolver o sujeito numa névoa cósmica e panteísta, tão preconizada hoje em dia, realiza por completo o verdadeiro eu do sujeito. Na comunhão com Cristo não existe o conflito entre a pessoa e a comunidade, que se apresenta nas comunhões naturais. Logo, a comunidade da experiência sagrada está realmente em guerra com o despersonalizante "nós-experimentamos" encontrado nas congregações e nas assembleias populares que tendem a absorver e sublimar o individuo.Esta comunhão em Cristo, que fora tão cheia de vida nos primeiros séculos cristãos, de que todos os santos participaram, que descobriu na liturgia uma expressão sem igual, está agora sob ataque – esta comunhão que nunca considerou o individuo apenas como seguimento da comunidade, ou instrumento para servi-la. Para tal propósito, é importante notar que a ideologia totalitária não está só no sacrifício do individual pelo colectivo; algumas das ideias cósmicas de Teilhard de Chardin, por exemplo, implicam no sacrifício colectivista. Teilhard subordina o individual e sua santificação ao suposto desenvolvimento da humanidade. Até na época em que esta teoria perversa foi adoptada por vários católicos, havia muitas razões para que se insistisse vigorosamente no carácter sagrado da verdadeira comunhão em Cristo. Creio que a nova liturgia deva ser julgada por este teste: contribui para a autêntica comunidade sagrada? Concordamos que ela direcciona o carácter da comunidade; porém, é o carácter desejado? Essa comunhão é baseada no recolhimento, na contemplação e na reverência? Qual das duas – a missa nova, ou a missa latina com canto gregoriano – evoca tais atitudes d’alma de modo eficaz, permitindo comunhão mais profunda e verdadeira? Não é patente que o carácter comunal da missa nova é puramente profano, e que, como quaisquer outros encontros sociais, é mistura de entretenimento casual e actividade incessante, impedindo a confrontação reverente e contemplativa com Cristo e o mistério inefável da Eucaristia?

É claro que nossa época esta permeada desse espírito de irreverência. Isso é a noção distorcida da liberdade, que exige direitos ao mesmo tempo em que recusa deveres, que exalta a auto-indulgência, que aconselha o "seja você mesmo". O habitare secum dos Diálogos de São Gregório – o permanecer na presença de Deus, o que pressupõe reverência – hoje é considerado como antinatural, pomposo e servil. Porém, não é a missa nova um compromisso com o espírito moderno? Donde vem a depreciação da genuflexão? Por que a Eucaristia deve ser recebia em pé? Em nossa cultura, não é o ajoelhar-se a expressão clássica da adoração reverente? O argumento de que durante a refeição devemos antes estar de pé que ajoelhados é difícil de engolir. Além disso, esta não é a postura natural para comer: no relógio de Cristo, o estar sentado é o mesmo que dormir. Porém, o mais importante é a concepção irreverente da Eucaristia, para lhe enfatizar o carácter de refeição, em detrimento do carácter especial de mistério sagrado.


Enfatizar a refeição às expensas do sacramento certamente denuncia uma tendência a obscurecer a sacralidade do sacrifício. Tal tendência parece ligada à lamentável crença de que a vida religiosa vai se tormar mais vívida, mais existencial se for imersa em nossa vida cotidiana. Todavia, corremos o perigo de absorver o religioso no mundano, de apagar a diferença entre o sobrenatural e o natural. Temo que isso represente uma intrusão inconsciente do espírito naturalista, do espírito tal como expressado pelo imanentismo de Teilhard de Chardin.


Novamente, porque se aboliu a genuflexão às palavras "et incarnatus est" do Credo? Não era esse um gesto belo e nobre de adoração reverente ao professar o abrasador mistério da Encarnação? Quaisquer que sejam as intenções do inovador, certamente criaram o risco, mesmo que somente psicológico, da diminuição do temor religioso e do respeito ao mistério. Porém, existe mais uma razão para hesitar fazer mudanças desnecessárias na liturgia. As mudanças frívolas ou arbitrarias são aptas a erodir um tipo especial de reverência: a pietas. A palavra latina, como a alemã pietaet, não possui equivalente em inglês, mas pode ser entendida como respeito geral pela tradição; honra àquilo que nos foi legado pelas antigas gerações; fidelidade aos nossos ancestrais e suas obras. Note que pietas é uma palavra derivada de reverência, porém não deve ser confundida com a reverência enquanto tal, que descrevemos como resposta ao grande mistério do ser e sobretudo, uma resposta a Deus. Segue-se que, se o conteúdo de uma dada tradição não corresponde ao objecto de reverência original, não merece a reverência derivada. Se uma tradição incorpora elementos maus, tais como os sacrifícios de seres humanos, no culto dos Astecas, então esses elementos não devem ser tomados por pietas.


Não é, todavia, o caso cristão. Os que idolatram nossa época, que se impressionam com o que é moderno simplesmente por sê-lo, que acreditam que, em nossos dias, o homem finalmente "atingiu a maioridade", carece de pietas. O orgulho desses "nacionalistas temporais" não é somente irreverente, mas incompatível com a fé real. Um católico deve observar a liturgia com pietas. Deve reverenciar, e portanto, temer abandonar as orações, as posturas e as músicas que foram aprovadas por tantos santos durante a Era Cristã, deixadas para nós como preciosa herança. Para não ir muito longe, a ilusão de que possamos substituir o canto gregoriano, com seus hinos inspirados e ritmos, por uma música tão boa quanto, senão melhor, denuncia uma auto-afirmação ridícula e falta de auto-conhecimento.


Não podemos esquecer que, através da história do cristianismo, silêncio e solidão, contemplação e recolhimento foram considerados necessários para alcançar uma confrontação real com Deus. Este não é apenas um conselho da tradição cristã, a qual deve ser respeitada pela pietas: está enraizado na natureza humana. O recolhimento é a base necessária para a verdadeira comunhão; da contemplação surge a base necessária para a acção efectiva na vinha do Senhor. Uma espécie superficial de comunhão – a camaradagem jovial duma relação social – arrasta-nos para a periferia. Uma verdadeira comunhão cristã arrasta-nos para dentro dos abismos espirituais.


O caminho da verdadeira comunhão cristã: reverência..., recolhimento..., contemplação. Claro que devemos lamentar a carolice sentimental e individualista, reconhecendo que muitos católicos praticam-na. A experiência não é remédio para isso, nem a actividade é cura para a pseudo-contemplação. O remédio é encorajar a verdadeira reverência, a atitude de autêntico recolhimento e devoção contemplativa do Cristo. Somente tal atitude possibilita que aconteça uma verdadeira comunhão em Cristo. As leis fundamentais da vida religiosa que governam a imitação de Cristo, a transformação em Cristo, não se modificam de acordo com as modas e hábitos do momento histórico. A diferença entre a experiência comunitária superficial e a experiência comunitária profunda é sempre a mesma. O recolhimento e a adoração contemplativa do Cristo – que só a reverência torna possível – seria a base necessária para a verdadeira comunhão com os demais em Cristo, em qualquer era da história humana.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O Pleito pela Missa Latina por Dietrich von Hildebrand : Existe uma ligação íntima entre a reverência e a sacralidade; a reverência permite-nos experimentar o sagrado, ascender para além do profano; a irreverência cega-nos a todo o mundo do sagrado. A reverência, incluindo o medo – em verdade, temor e tremor – é a resposta adequada ao sagrado.

Dietrich von Hildebrand foi um dos filósofos cristãos mais eminentes do mundo. Professor na Fordham University, o Papa Pio XII chamou-o "o Doutor da Igreja no século 20". Ele é autor de vários livros, incluindo Transformation in Christ e Liturgy and Personality.

TRIUMPH, Outubro 1966

Os argumentos da Nova Liturgia foram elegantemente condicionados, e talvez agora sejam estudados por recomendação. A nova forma da missa foi planejada para empenhar o celebrante e o fiel numa atividade comunal. No passado, o fiel servia a missa em isolamento pessoal, com cada crente fazendo suas preces privadas, ou, na melhor, seguindo as fórmulas no missal. Hoje, o fiel pode aproveitar o carácter social da celebração; estão aprendendo apreciá-la tal quais os almoços comunitários.


Antigamente, o sacerdote murmurava em língua morta, o que criava barreiras entre este e o povo. Agora, todos falam em inglês, o que tende a unir estreitamente povo e sacerdote. No passado, o sacerdote realizava a missa de costa para o povo, dando um clima de ritual esotérico. Hoje, a missa é ocasião mais fraternal, pois o sacerdote encara o povo. No passado, o sacerdote entoava estranhos cânticos medievais. Hoje, toda a assembleia executa canções de melodias simples e letras fáceis; estão até flertando com a música popular. Concluindo, o pleito pela missa nova resume-se a isto: fazer o fiel estar mais a vontade na casa de Deus.


Além do mais, dizem ter tais inovações a sanção da Autoridade; elas são apresentadas como resposta obediente ao espírito do Concilio Vaticano II. Todavia, o concílio diz, na sua constituição sobre liturgia, que a missa vernacular só é permitida em casos em que o bispo local ache-a oportuna; a constituição insiste fortemente na permanência da missa latina e aprova, de forma inconteste, o canto gregoriano.


Porém, os "progressistas" litúrgicos não se abalaram com a diferença entre permitir e ordenar. Sequer hesitaram quando autorizaram modificações, tais como o estar de pé ao receber a Santa Comunhão, o que não é mencionado pela constituição. Os progressistas argúem que podem tomar tais liberdades, pois a constituição é, afinal de contas, apenas o primeiro passo num processo evolucionário. Eles parecem estar neste caminho. Hoje, em qualquer lugar, é mui difícil encontrar a missa latina; nos Estados Unidos, são praticamente inexistentes. Até a missa conventual dos mosteiros é falada em vernáculo, e o glorioso gregoriano foi substituído por melodias insignificantes.

Minha preocupação não é com o estatuto legal das mudanças. Insisto: não quero dar a entender que reclamo de a constituição ter permitido o vernáculo substituir o latim. O que deploro é que a missa nova está substituindo a latina, que a antiga liturgia está sendo imprudentemente estraçalhada e negada pela maioria do povo de Deus.


Gostaria de levantar algumas questões àqueles que estão a promover tais desdobramentos: a missa nova, , melhorará o espírito humano mais que a antiga – evoca o sentido de eternidade? Ajudará a elevar nossos corações acima das preocupações mundanas – acima dos aspectos puramente naturais do mundo – até a Cristo? Aumentará a reverência, a apreciação do sagrado?

Certo, tais questões são retóricas e auto-evidentes. Fi-las, pois penso que cristãos sérios vão querer considerar sua importância antes de chegarem a uma conclusão sobre os méritos da nova liturgia. Qual o papel da reverência numa vida verdadeiramente cristã, e, mais importante, numa verdadeira adoração cristã de Deus?A reverência dá ao ser ocasião de falar connosco: a grandeza última do homem é ser capax Dei. A reverência é de importância capital para todos os domínios da vida do homem. Ela pode ser chamada correctamente de "mãe de todas as virtudes", pois esta atitude básica pressupõe todas as virtudes.


O gesto mais elementar de reverência é um reflexo do próprio ser. Ela distingue-se da majestade exterior do ser, que provém da mera ilusão ou ficção; a reverência é o reconhecimento da consistência interior e da positividade do ser – de sua independência às modas arbitrárias. A reverência dá ao ser a ocasião de desdobrar-se para como que falar connosco, fecundar nossas mentes. Portanto, a reverência é indispensável a qualquer intelecção adequada do ser. A profundidade e a plenitude do ser, além de todos os seus mistérios, nunca revelar-se-ão senão a uma mente reverente.


Recordem-se de que a reverência é elemento constitutivo da capacidade de "contemplar", que, como Platão e Aristóteles insistiam, é condição indispensável para a filosofia. De fato, a irreverência é a principal origem do erro filosófico. Se a reverência é a condição necessária para qualquer conhecimento seguro do ser, é, além disso, indispensável para acessar e compreender os valores baseados no ser. Somente o homem reverente, pronto a admitir a existência de algo maior que ele mesmo e predisposto ao silêncio, deixando o objeto falar-lhe – o homem que abre seu espírito – é capaz de penetrar no mundo sublime dos valores. Reconhecida a gradação dos valores, um novo tipo de reverência surge: a que responde não tão-somente à majestade do ser enquanto tal, mas ao valor especifico de um ser especifico e a sua posição na hierarquia de valores. Esta nova reverência permite ainda a descoberta de novos valores.


Somente numa atitude reverente o homem reflecte seu carácter essencialmente receptivo: sua grandeza última é ser capax Dei. Em outras palavras, o homem possui a capacidade de apreender algo maior que ele mesmo, a fim de ser tocado e fecundado, abandonando-se a este algo por vontade própria – como pura resposta a tais valores. A habilidade de transcender-se distingue o homem da planta e do animal; este último empenha-se apenas em desdobrar a própria enteléquia [forma]. Ora, somente o homem reverente pode conscientemente transcender-se, conforme sua condição humana fundamental e situação metafísica.


Melhor iremos ao encontro do Cristo elevando-nos a Ele, ou arrojando-O no mundo ordinário?Por sua vez, o homem irreverente aproxima-se do ser numa atitude de superioridade arrogante ou atrevida, de familiaridade presunçosa. Neste caso, está mutilado; é o caso do homem que, por muito se aproximar duma árvore ou construção, não pode mais vê-las. Em vez de manter a distância espiritual que lhe é própria – conservando um silêncio reverente, o ser talvez diga alguma coisa –, fecha-se; desta feita, silencia o ser. No incondicionado, a reverência é mais importante que a religião. Sabemos como isso afecta a relação do homem para com Deus. Existe uma ligação íntima entre a reverência e a sacralidade; a reverência permite-nos experimentar o sagrado, ascender para além do profano; a irreverência cega-nos a todo o mundo do sagrado. A reverência, incluindo o medo – em verdade, temor e tremor – é a resposta adequada ao sagrado.


Isso foi esclarecido por Rudolf Otto em seu famoso estudo The Idea of the Holy. Kierkegaard também chama atenção para o papel essencial da reverência no ato religioso, no encontro com Deus.

Igualmente, os judeus não estremecem profundamente quando o sacerdote conduz o sacrifício para o sanctum sanctorum? Isaias não estremeceu de medo devoto quando viu Jeová no templo e exclamou: "Ai de mim, estou perdido! Eu que sou um homem de lábios impuros... todavia meus olhos não viram o Rei"? Não foram tais as palavras de São Pedro após a pescaria miraculosa: "Aparta-se de mim, oh! Senhor, pois eu sou um pecador", testificando que quando a realidade de Deus irrompe sobre nós, somos tomados de temor e reverência?


O cardeal Newman expôs num sermão formidável que o homem que não teme nem reverencia não conhece a realidade de Deus. Quando São Boaventura escreve no Itinerarium Mentis ad Deum que somente o homem de desejo (tal como Daniel) pode entender a Deus, quer dizer que certa disposição de alma deve-se atingir a fim de entender o mundo de Deus, para o qual Ele nos quer levar. Este conselho é aplica-se, sobretudo, à liturgia da Igreja. O sursum corda – a elevação de nossos corações – é o primeiro requisito para a participação real na missa. Nada melhor para impedir a confrontação do homem para com Deus que a noção de "irmos ao altar de Deus" como se fôssemos a um divertido e relaxante compromisso social. Eis porque a missa latina com canto gregoriano, que eleva-nos à atmosfera sagrada, é muitíssimo superior à missa vernacular com músicas populares, que nos inclina a uma atmosfera meramente natural e profana.


O erro fundamental da maioria das inovações é imaginar que a nova liturgia traz o Santo Sacrifício da Missa para perto dos fiéis; que a podando dos velhos rituais trará a missa para a substância de nossas vidas. Perguntamos se é melhor encontrar com Cristo na missa elevando-se até Ele, ou arrojando-O em nosso mundo prosaico e ordinário. Os inovadores substituem a sacra intimidade com Cristo por uma inconveniente familiaridade. Realmente, a nova liturgia ameaça frustrar a confrontação com Cristo, pois desencoraja a reverência em face do mistério, elimina o temor, suprime o sentimento do sagrado. Não importa realmente se os fiéis sentem-se em casa na missa, mas se são transportados de suas vidas ordinárias para o mundo do Cristo – seja pela sua atitude de reverência perfeita, seja por estarem impregnados da realidade do Cristo.


Aqueles que decantam a nova liturgia insistem que, com o passar dos anos, a missa perdeu o carácter comunal e tornou-se ocasião de adoração individualista. A missa nova vernacular restauraria o sentimento de comunidade ao substituir as preces privadas pela participação da comunidade. Porém, esquecem-se de que há diferentes níveis e tipos de comunhão com outrem. O nível e a natureza da experiência comunitária são determinados pelo tema da comunhão, em nome de que ou por causa de que os homens estão reunidos.


O maior bem representado pelo tema, o qual empenha todos os homens, se for o mais sublime e profundo, é a comunhão. O ethos e a natureza da experiência comunitária no caso duma emergência nacional é, obviamente, radicalmente diferente da experiência comunitária num cocktail. As diferenças mais admiráveis serão encontradas entre comunidades cujo tema é o sobrenatural ou o meramente natural. A base da união comunitária é realização espiritual dos homens tocados por Cristo – a Santa Comunhão – , muito mais sublime que a de qualquer comunidade natural. O genuíno "nós comungamos" dos fiéis, tão bem expressado pela liturgia da Quinta-feira Santa nas palavras congregavit nos in unum Christi amor, só é possível como fruto da comunhão eu-Tu com o próprio Cristo. Somente a relação direta Deus-homem pode realizar a sagrada união entre os fiéis.

O "nós-experimentamos" despersonalizante é uma versão perversa da comunidade.

Na comunhão em Cristo, não há a auto-afirmação encontrada nas comunhões naturais. Ela exala a Redenção. Liberta o homem de toda auto-centralização. Contudo, essa comunidade não despersonaliza o indivíduo: longe de dissolver o sujeito numa névoa cósmica e panteísta, tão preconizada hoje em dia, realiza por completo o verdadeiro eu do sujeito. Na comunhão com Cristo não existe o conflito entre a pessoa e a comunidade, que se apresenta nas comunhões naturais. Logo, a comunidade da experiência sagrada está realmente em guerra com o despersonalizante "nós-experimentamos" encontrado nas congregações e nas assembleias populares que tendem a absorver e sublimar o individuo.Esta comunhão em Cristo, que fora tão cheia de vida nos primeiros séculos cristãos, de que todos os santos participaram, que descobriu na liturgia uma expressão sem igual, está agora sob ataque – esta comunhão que nunca considerou o individuo apenas como seguimento da comunidade, ou instrumento para servi-la. Para tal propósito, é importante notar que a ideologia totalitária não está só no sacrifício do individual pelo colectivo; algumas das ideias cósmicas de Teilhard de Chardin, por exemplo, implicam no sacrifício colectivista. Teilhard subordina o individual e sua santificação ao suposto desenvolvimento da humanidade. Até na época em que esta teoria perversa foi adoptada por vários católicos, havia muitas razões para que se insistisse vigorosamente no carácter sagrado da verdadeira comunhão em Cristo. Creio que a nova liturgia deva ser julgada por este teste: contribui para a autêntica comunidade sagrada? Concordamos que ela direcciona o carácter da comunidade; porém, é o carácter desejado? Essa comunhão é baseada no recolhimento, na contemplação e na reverência? Qual das duas – a missa nova, ou a missa latina com canto gregoriano – evoca tais atitudes d’alma de modo eficaz, permitindo comunhão mais profunda e verdadeira? Não é patente que o carácter comunal da missa nova é puramente profano, e que, como quaisquer outros encontros sociais, é mistura de entretenimento casual e actividade incessante, impedindo a confrontação reverente e contemplativa com Cristo e o mistério inefável da Eucaristia?

É claro que nossa época esta permeada desse espírito de irreverência. Isso é a noção distorcida da liberdade, que exige direitos ao mesmo tempo em que recusa deveres, que exalta a auto-indulgência, que aconselha o "seja você mesmo". O habitare secum dos Diálogos de São Gregório – o permanecer na presença de Deus, o que pressupõe reverência – hoje é considerado como antinatural, pomposo e servil. Porém, não é a missa nova um compromisso com o espírito moderno? Donde vem a depreciação da genuflexão? Por que a Eucaristia deve ser recebia em pé? Em nossa cultura, não é o ajoelhar-se a expressão clássica da adoração reverente? O argumento de que durante a refeição devemos antes estar de pé que ajoelhados é difícil de engolir. Além disso, esta não é a postura natural para comer: no relógio de Cristo, o estar sentado é o mesmo que dormir. Porém, o mais importante é a concepção irreverente da Eucaristia, para lhe enfatizar o carácter de refeição, em detrimento do carácter especial de mistério sagrado.


Enfatizar a refeição às expensas do sacramento certamente denuncia uma tendência a obscurecer a sacralidade do sacrifício. Tal tendência parece ligada à lamentável crença de que a vida religiosa vai se tormar mais vívida, mais existencial se for imersa em nossa vida cotidiana. Todavia, corremos o perigo de absorver o religioso no mundano, de apagar a diferença entre o sobrenatural e o natural. Temo que isso represente uma intrusão inconsciente do espírito naturalista, do espírito tal como expressado pelo imanentismo de Teilhard de Chardin.


Novamente, porque se aboliu a genuflexão às palavras "et incarnatus est" do Credo? Não era esse um gesto belo e nobre de adoração reverente ao professar o abrasador mistério da Encarnação? Quaisquer que sejam as intenções do inovador, certamente criaram o risco, mesmo que somente psicológico, da diminuição do temor religioso e do respeito ao mistério. Porém, existe mais uma razão para hesitar fazer mudanças desnecessárias na liturgia. As mudanças frívolas ou arbitrarias são aptas a erodir um tipo especial de reverência: a pietas. A palavra latina, como a alemã pietaet, não possui equivalente em inglês, mas pode ser entendida como respeito geral pela tradição; honra àquilo que nos foi legado pelas antigas gerações; fidelidade aos nossos ancestrais e suas obras. Note que pietas é uma palavra derivada de reverência, porém não deve ser confundida com a reverência enquanto tal, que descrevemos como resposta ao grande mistério do ser e sobretudo, uma resposta a Deus. Segue-se que, se o conteúdo de uma dada tradição não corresponde ao objecto de reverência original, não merece a reverência derivada. Se uma tradição incorpora elementos maus, tais como os sacrifícios de seres humanos, no culto dos Astecas, então esses elementos não devem ser tomados por pietas.


Não é, todavia, o caso cristão. Os que idolatram nossa época, que se impressionam com o que é moderno simplesmente por sê-lo, que acreditam que, em nossos dias, o homem finalmente "atingiu a maioridade", carece de pietas. O orgulho desses "nacionalistas temporais" não é somente irreverente, mas incompatível com a fé real. Um católico deve observar a liturgia com pietas. Deve reverenciar, e portanto, temer abandonar as orações, as posturas e as músicas que foram aprovadas por tantos santos durante a Era Cristã, deixadas para nós como preciosa herança. Para não ir muito longe, a ilusão de que possamos substituir o canto gregoriano, com seus hinos inspirados e ritmos, por uma música tão boa quanto, senão melhor, denuncia uma auto-afirmação ridícula e falta de auto-conhecimento.


Não podemos esquecer que, através da história do cristianismo, silêncio e solidão, contemplação e recolhimento foram considerados necessários para alcançar uma confrontação real com Deus. Este não é apenas um conselho da tradição cristã, a qual deve ser respeitada pela pietas: está enraizado na natureza humana. O recolhimento é a base necessária para a verdadeira comunhão; da contemplação surge a base necessária para a acção efectiva na vinha do Senhor. Uma espécie superficial de comunhão – a camaradagem jovial duma relação social – arrasta-nos para a periferia. Uma verdadeira comunhão cristã arrasta-nos para dentro dos abismos espirituais.


O caminho da verdadeira comunhão cristã: reverência..., recolhimento..., contemplação. Claro que devemos lamentar a carolice sentimental e individualista, reconhecendo que muitos católicos praticam-na. A experiência não é remédio para isso, nem a actividade é cura para a pseudo-contemplação. O remédio é encorajar a verdadeira reverência, a atitude de autêntico recolhimento e devoção contemplativa do Cristo. Somente tal atitude possibilita que aconteça uma verdadeira comunhão em Cristo. As leis fundamentais da vida religiosa que governam a imitação de Cristo, a transformação em Cristo, não se modificam de acordo com as modas e hábitos do momento histórico. A diferença entre a experiência comunitária superficial e a experiência comunitária profunda é sempre a mesma. O recolhimento e a adoração contemplativa do Cristo – que só a reverência torna possível – seria a base necessária para a verdadeira comunhão com os demais em Cristo, em qualquer era da história humana.